terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Entrevista com o Maestro Júlio Medaglia

Segue uma entrevista da Revista Bravo, 6/10/08, feita pela jornalista Marina Mantovanni...

Maestro, compositor e interessado por cultura em geral, Júlio Medaglia foi um dos idealizadores da Tropicália. Suas opiniões sempre carregadas de provocação e cheias de argumentos o tornam também um crítico respeitado. No alto de seus 70 anos, ele ataca o rap e a música brasileira sem delongas. Leia!

Você se especializou em música erudita e estudou regência na Alemanha. Como foi o seu primeiro flerte com a música popular?

A MPB sempre me interessou por sua originalidade, criatividade, diversidade de linguagens e importância na movimentação cultural brasileira como um todo.
Quando e como se deu seu contato com a Tropicália? Quais eram os seus ideais musicais quando se juntou a este movimento de vanguarda? Eu não me "juntei" ao movimento tropicalista. Estive presente na sua própria criação. Eu havia composto a música para uma peça de teatro de Bráulio Pedroso para Cacilda Becker (a maior atriz brasileira da época) e Walmor Chagas (seu marido) chamada "Isso Devis Ser Proibido". Caetano assistiu à peça e à gravação em estúdio e se aproximou de mim. Trouxe um projeto musical que desenvolvemos, o qual resultou em meu arranjo para a gravação da música "Tropicália", que deu origem ao movimento – fins de 1967 / início de 68. Se a Bossa Nova havia sido um movimento de implosão da música brasileira, de "filtragem" de elementos, o Tropicalismo foi o contrário. Uma explosão de componentes que minava o campo para criar condições para o surgimento de um novo pensamento cultural mais diversificado em termos artísticos, técnicos, comportamentais, sociais e humanos.

Na década de 60, as emissoras de tevê propagavam a MPB por meio dos festivais, nos quais, aliás, você participou ativamente da organização de alguns. Por que hoje os canais abertos não têm um interesse maior na divulgação da cultura nacional? De onde vem esse marasmo em que vivemos? Em termos de novidades e criatividade, o que acha da música brasileira hoje?

Os anos 60 foram incandescentes no mundo todo. Foi um período muito criativo em todas as áreas culturais. No final do século XX, porém, cresceu de tal maneira a produção da indústria eletrônica em todo o mundo que perdeu-se uma relação saudável com a criação espontânea. Os produtores, não sabendo lidar com o talento humano, resolveram, eles mesmos, criar seus próprios monstrengos para serem comercializados com rapidez e descartados logo. A crise de criatividade é mundial e em todas as áreas. A criatividade, porém, não diminuiu. Só faltam os meios para que ela possa se exibir. Aos poucos, quando o processo de imbecilização coletiva via eletrônica estiver cansando, as pessoas irão procurar novas idéias e verão que muita coisa boa continuou sendo feita.

E a internet? Você acha que o fato de ela abrir espaço e facilitar a difusão de muitos artistas, pode banalizar a música ou fazer com que as pessoas tenham mais contato com a diversidade e, por conseqüência, consigam expandir mais os conhecimentos sobre o assunto?

A internet é burra. Ela não provoca nada. Você aperta um botão e encontra toda a filosofia de Kant nela. Não significa que todo mundo vá virar filosofo por causa disso. As provocações são externas. No mais das vezes movidas por interesses mercadológicos. As únicas 4 grandes gravadoras que restaram – e engoliram todas as outras – não possuem mais diretores artísticos. Só diretores de marketing. Cultura virou um produto igual a absorvente feminino. Há que se usar pouco e jogar fora logo. As novas gerações é que têm que desenvolver um senso crítico diante dessa nova realidade e se dar conta que a criatividade humana é rica e não se resume àquela meia dúzia de produtos e modelitos que a indústria dos bens de consumo quer nos viciar e fazer consumir imbecilmente. Ou acordam ou em breve estarão todos babando na gravata...

Na década de noventa, Chico Science foi um dos porta-vozes do que ficou conhecido como movimento Mangue Beat. Qual a sua opinião sobre a música que ele fazia e que se tornou um molde para novos músicos?

Foi um dos raros movimentos musicais da década, repleta de duplas caipiras – no fundo bolerões bregas dignos só de puteiros de cais de porto de quinta categoria – e dos chamados "pagodes" – cuja música toda não valia uma pausa de uma composição do Cartola. O MB foi um dos raros e saudáveis acontecimentos da década.

Os eruditos se dividem entre aqueles que respeitam o rap e os que não gostam nenhum pouco. Em uma entrevista, o senhor revelou pertencer ao segundo grupo. Qual é a sua opinião sobre o gênero?

95% do rap é um lixo. Quando o negro norte-americano quis mostrar que "era gente", foi buscar dentro de si o que havia de belo para exibir à sociedade que o hostilizava. Com isso nasceu o jazz, a mais importante linguagem musical daquele país. Quando o negro mais recentemente quis fazer uma música baseada no rancor, saiu essa droga. Uma verborragia interminável, medíocre e democrática (pois qualquer imbecil pode fazê-la). Boa parte do negro brasileiro hoje fica imitando em todos os detalhes a cultura do hip-hop, se tornando colono do negro norte-americano "que não deu certo na vida" e que fica puxando fumo na periferia de Los Angeles, dizendo que a sociedade está contra ele. É uma tristeza ver o negro brasileiro trair suas raízes, matar Zumbi outra vez – já que o hip-hop não tem nada de africano – e ficar macaquiando uma cultura medíocre importada, que aqui chega através de uma indústria cultural tocada a marketing externo de um país que tem história diferente do nosso.

Hoje, o que escuta de novidade e que traz para a sua música?

A música para mim é um fenômeno amplo, parte da grande ação cultural do homem. Me interessa qualquer tipo de música, desde que seja feita com talento e criatividade e que possa ter importância cultural.

Essa é para finalizar e para matar uma curiosidade: rola um rumor de que você encontrou os Sex Pistols quando eles vieram ao Brasil nos anos 70, é verdade? Como aconteceu essa história?

Eu era diretor da Rádio Roquette Pinto do Rio em meados dos anos 70. Seu FM chegou a segundo lugar de audiência pois tínhamos programas muito provocadores nessa banda sonora, o que não era muito comum. As FMs só tinham "som de ante-sala de destista". Até programas de música clássica, apresentados pelo Big Boy, o maior disc-jockey da época, eram populares. A meninada ouvia a rádio. Quando o Sex-Pistols aparecerem no Rio, os levei ao estúdio e lá eles se encontraram com representantes de nossa audiência jovem e foi um grande barato. Mas o meu rockeiro predileto foi mesmo Frank Zappa, de quem fui colega de estudos na Alemanha...

Um comentário:

Érica Martinez disse...

caraio. por isso que gosto de imagens... resume o conteúdo e atrai o leitor: não consegui ler ainda. volto em breve!