Como explicar o terço no retrovisor do carro? O que leva uma pessoa a carregar consigo uma imagem de Nossa Senhora de Fátima? As respostas certamente seriam as mesmas: fé e proteção.
O terço no retrovisor do carro é uma imagem corriqueira no trânsito de São Paulo. Mas quantas vezes vimos algum carro quebrado ou batido com aquela pequena cruz balançando nos retrovisores? Diversas. Pois é, não há nada de concreto nestas pequenas formas de fé, ou porque não, pequenos mitos. Todas estas pequenas cresças aparecem na onipotência do concreto. Se faltares algo para se apoiar e acreditar, logo recorremos a algo mágico e acalentador.
As grandes instituições religiosas estão cada vez mais longe dos fiéis. Sejam por idéias antiquadas ou por incompatibilidade de rituais e crenças. Talvez seja por esta “progressiva perda de significação da linguagem religiosa” (Alves, p. 41) que as pessoas se apegam a pequenos símbolos “carregados de conteúdos emocionais” (Alves, p.41), e assim tentam vencer o medo de viver.
Creio que não é fácil viver sem algo para se apoiar. Se o taxista consegue escapar de um acidente, logo ele beija a cruz e agradece a Nossa Senhora. Descarrega todo o peso e emoção a algo inexplicável e irreal. Algo mágico. Será que ele escapou de um acidente porque ele estava protegido ou porque ele teve habilidade suficiente para tal? Para a ciência certamente foi o treinamento e a experiência. Mas para ele foi à bendita cruz rodando acima de sua cabeça. Para Ludwing Feuerbach “a religião é o sonho da mente humana. Através dela passamos a ver as coisas reais no fascinante esplendor da imaginação e do capricho, ao invés de o fazer sob a luz mortiça da realidade e da necessidade”.
Este sentimento de proteção é fundado. Nós, humanos, vivemos grande parte de nossas vidas em um mundo que se apresenta, e logo, este mundo é o nosso real. Mas nós, humanos, sentimos vontade de sair, de arriscar e de buscar algo perfeito e maravilhoso, algo que não encontramos em nosso mundo real. Por causa disso, recorremos para as mais diversas religiões, buscando uma forma de respirarmos. “A imaginação só se torna compreensível se percebemos que ela se constrói a partir de uma suspeita de que é provável que os limites do possível sejam muito mais extensos que os limites do real.” (Alves, p. 47)
Pensando assim, como podemos dizer que é errado alguém se apegar ao crucifixo? Como ousaríamos dizer que aquela imagem na carteira é uma simples folha de papel? A fé, a imaginação e os mitos podem ser contestados, mas nunca poderemos contestar seus significados. Ainda mais para as pessoas que realmente acreditam que aquele objeto o salvou. Depois de uma ´bola dentro´, quem conseguirá retirar todos os valores agregados na folhinha guardada no fundo da carteira? Não é possível agir sem um pingo de razão, mas agir com o coração e com a emoção, também não faz mal a ninguém.